sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Brasil, terra de ninguém?

(10.10.11)


Por Carlos Alberto Etcheverry,
desembargador do TJRS

O crédito desempenha um importante papel nas modernas sociedades de consumo. É o que permite adquirir imediatamente bens que, de outra forma, estariam disponíveis para fruição apenas quando o consumidor conseguisse poupar o suficiente para a compra à vista.

Naturalmente, a concessão de crédito não é feita a título gratuito, por caridade: trata-se de um serviço necessariamente remunerado, nas suas diversas modalidades.

Peguemos, por exemplo, o cartão de crédito. Se o leitor for de nacionalidade francesa e usuário do cartão Aurore, administrado pela financeira Cetelem, de propriedade do banco BNP Paribas, poderá ter à sua disposição o equivalente a R$ 2.400,00, para amortização em 28 meses.

A taxa anual efetiva será de 14,90% ao ano, com o que o débito será amortizado em 27 prestações mensais, cada qual no valor de R$ 100,80, e uma última de R$ 102,96. (1)

Mas pode acontecer que o consumidor seja brasileiro. Ainda assim poderá utilizar os serviços do braço brasileiro do BNP Paribas, a Cetelem Brasil CFI S/A, que administra aqui o cartão de crédito Aura.

Fazendo o empréstimo da mesma quantia, arcaria com o pagamento de 28 prestações mensais, no valor, cada qual, de R$ 504,32, pois a taxa de juros praticada aqui é de 877% ao ano, ou 20,91% ao mês...

Nem é preciso dizer que a Cetelem francesa não se atreveria a praticar essa taxa de juros no seu país de origem. A polícia seria chamada imediatamente e haveria um escândalo enorme. Em países "bárbaros" como a França, a Itália, a Espanha, para ficar apenas com alguns exemplos, existem leis contra a usura que valem inclusive em relação às instituições financeiras.

O fato, como se viu, é que a Cetelem tem, no Brasil, um comportamento que não se atreveria a reproduzir no seu país de origem. E assim age, com certeza, porque imagina que o mais brutal assalto à economia popular que se possa imaginar não terá, aqui, nenhuma conseqüência desagradável.

Conseqüentemente, por que se comportaria como se estivesse na França?

Talvez essa conduta fosse mais palatável se a Cetelem agisse com um pouco mais de comedimento, sem destoar tanto de suas congêneres tupiniquins, que há tantos anos também saqueiam a economia popular, mas com um pouco mais de compostura. O que se vê aqui é uma arrogância imperial, uma certeza de impunidade absolutamente inédita, compreensível apenas se fosse encontrada numa relação típica de dominação colonial.

Não tenho dúvida, portanto, de que esse ato de pirataria financeira será severamente reprimido pelo poder público. A não ser assim, como não concluir que este país é uma terra de ninguém?

etcheverry@etchever.net


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(1) http://www.cetelem.fr/credit/simulation/?action=resultCr&projetCarte=aurore.
Simulação feita em 30.09.2011, considerando-se o euro como cotado a R$ 2,40.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A FIFA no País das Maravilhas

O Brasil foi o País escolhido para sediar a próxima Copa do Mundo, em 2014. Isso todo o mundo sabe. Também todos sabem que tal escolha se deu num momento de euforia com o "novo milagre brasileiro", num momento em que o Brasil, antes "eterno país do futuro" quer afirmar-se também como um país do presente. Algum problema em o Brasil sediar mais uma Copa do Mundo? Afinal, já o fizemos em 1950, não foi? Problema algum. Para o país do futuro. Problema algum em o Brasil sediar um evento da magnitude na qual se tornou a Copa do Mundo de Futebol ( e de marketing, e de negócios, e de transações que, em 1950, nem sequer se imaginava pudesse vir a se tornar). Problema algum para o Brasil do futuro, e futuro não é daqui a dois ou três anos. o Brasil que imaginamos e que diariamente, pelas notícias que lemos, parece quase impossível, se não, ao menos, muito distante, esse sim é o país que pode sediar qualquer evento. Pais democrático, com instituições políticas e econômicas sólidas, com exercício de cidadania plena, bem estar social e cultural, sistemas educacional e de saúde atendendo a todos, com qualidade, e não apenas formalidade. E o Brasil do futuro tem estrutura, estradas, aeroportos, rodoviárias, rede hoteleira, portos, segurança nos pontos turísticos, tudo em condições de receber eventos grandiosos. No Brasil do presente, que é o que vai receber a Copa do Mundo, o Brasil do futuro ainda é um sonho. No Brasil do presente, a Copa do Mundo é mais um grande "negócio da China" para enriquecer ainda mais alguns grupos econômicos e fortalecer grupos e posições políticas. Principalmente a esse verdadeiro Principado que é a FIFA e seu braço nacional, a CBF. A pouco mais de dois anos da Copa, nada mudou. Não temos estradas, aeroportos, o trânsito é um caos. E os estádios? Onde estão os maravilhosos estádios que o generoso e abundante dinheiro público vai subsidiar? Mesmo com a alteração da Lei de Licitações, favorecendo a sangria, nem começaram as obras. Mas, pior, e sempre pode ser pior, é a escancarada subserviência do Brasil do presente. É sabido que a noção clássica de soberania dos Estados há muito caiu por terra na ordem das relações internacionais. Países perdem soberania em função de outros Países, ou de grandes conglomerados econômicos cujos interesses nos obrigam a entrar no jogo. Agora, o Brasil do presente, que se orgulha de ter se livrado do FMI, curva-se perante a Federação Internacional de Futebol. A FIFA não quer que no Brasil, durante a Copa do Mundo, sejam exercidos direitos conquistados a duras penas. A FIFA não quer meia entrada para Idosos, como prevê o Estatuto do Idoso. Nem para estudantes, como está previsto em leis estaduais. A FIFA quer, e precisa, em função do patrocinador, que sejam vendidas bebidas alcoólicas nos estádios. O Ministro dos esportes entende que, quanto à bebida alcóolica, não há problema, é só alterar o estatuto da CBF e fica tudo bem. Ledo engano. Esquece-se, o Senhor Ministro, que há casos, como no Rio Grande do Sul, em que a proibição decorre de Lei Estadual, aprovada e vigendo. A FIFA e o Ministério vão determinar que tais leis sejam revogadas? Haverá uma suspensão temporária da vigência da lei durante a Copa? Ou seremos inflexíveis e abriremos mão de sediar jogos face a proibição do álcool dentro dos estádios? E, se abrirmos mão da proibição, como justificar que ela era necessária, ou como tentar retornar a ela depois? No fim, é claro, teremos Copa do Mundo. Teremos álcool nos estádios. A FIFA quer. A Banca paga e a banca leva. Provavelmente os Idosos e Estudantes terão direito à meia entrada, tanto faz, a entrada será tão cara que mesmo assim nenhum deles terá condições de comprá-la. É que o País da Copa é o País do presente, não o do futuro. "Business First", negócios em primeiro lugar. Paradoxalmente, o Brasil do presente é que é o verdadeiro País das Maravilhas. Para a FIFA e a CBF, e seus asseclas e apadrinhados. Não para nós, simples brasileiros. Para nós, o que resta, é continuar sonhando com o tal de Brasil do futuro, que já achávamos ter alcançado, mas que, pelo andar da carruagem, vai demorar ainda um pouco mais..E torcer. Torcer para a Copa passar nos canais abertos. Torcer para a que a FIFA nos permita disputar ao menos o 4º lugar. Torcer para que nós tenhamos uma Seleção que nos permita, se a FIFA permitir, disputar ao menos o 4º lugar. Ou seja, torcer por nós, torcedores, agora e na hora da nossa Copa. Amém...