segunda-feira, 21 de junho de 2010

SARAMAGO

Semana passada morreu José Saramago, um dos maiores pensadores do mundo contemporâneo. Curioso é que, na memsa noite em que o escritor faleceu, comentei com um amigo, o Alexandre, que por acaso também é meu aluno, sobre a posição de Saramago perante a iminência da morte. Saramago dizia, que, diante de um mundo tão bonito, não tinha medo de morrer, tinha era pena de morrer. Pois Saramago morreu.Não sei se o mundo ficou menos bonito, mas, certamente, pode ter ficado mais cego, mais às escuras. De tudo o que nos deixou, e não foi pouco, penso que a mais importante contribuição de Saramago tenha sido o alerta sobre a responsabilidade que temos ao ter olhos quando os outros já os perderam, a responsabilidade, muitas vezes pesada, de conduzir e não ser conduzido. Fica um poema de Saramago, que também era poeta, e a esperança que, de suas sementes, brotem novos frutos de tão boa qualidade.

Poema à boca fechada


Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.


(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)

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