quinta-feira, 8 de março de 2012

O Judiciário e seus prazos

(08.03.12)

Por Walter Ceneviva,
advogado, jurista e colunista da Folha de S. Paulo


Advogado e jornalista com décadas de vivência, Walter Ceneviva é um profissional que consegue ser um expert em cada atividade que exerce: ele é tão bom no jornal quanto o é na banca de Advocacia. E se tornou um ser raro por compreender e entender como ninguém as peculiaridades e idiossincrasias tanto da imprensa como do Judiciário.

Assina a coluna Letras Jurídicas, publicada no caderno Cotidiano da Folha há quase 30 anos. Trata, com cuidado técnico, mas em linguagem acessível a todos os leitores, de assuntos atuais de interesse para a área do Direito.

Está em discussão a tarefa do Poder Judiciário, resultante da incumbência de julgar processos, até que sua última decisão componha os termos da justiça oficial, dada às partes (art. 472 do CPC). A discussão mencionada envolve, principalmente, causas que retardam o cumprimento do dever funcional do juiz, no decidir questões e controvérsias do processo nos prazos legais. O não cumprimento foi muito destacado nos últimos tempos, embora existente há anos.

As causas da lentidão se perdem em vários caminhos. Vão desde o baixo nível do ensino do Direito até a certeza do aprovado no concurso da magistratura de que nada lhe prejudicará o caminho das promoções até a aposentadoria. Nada, em nível quase absoluto, tão raras as exceções em que a inércia é apenada.

A impunidade, o exacerbado espírito corporativo nas justiças oficiais, previstas pela Constituição (art. 92, seus sete incisos e desdobramentos), também dão causa à ineficácia e ao descrédito, sem falar nas protelações do Poder Público quando réu. Com mais atualidade, oriundas de um número restrito de juízes marcados pelo pouco amor ao trabalho, repercutem a dano do Judiciário como um todo. O juiz efetivamente trabalhador não deve solidarizar-se com aquele que não quer trabalhar. Este prejudica a todos, tanto quanto o desonesto.

Ainda no campo da ineficiência funcional, há modo pelo qual o defeito pode ser amenizado. Antes, porém, recordo que mais de uma vez escrevi que o Brasil podia orgulhar-se da qualidade da sua Corte Suprema. Essa convicção tem, contudo, suas restrições, uma delas relativa à estrutura básica da operação judicial existente.

A função de julgar, no Brasil, é definida pelo Estatuto da Magistratura, conforme o leitor poderá saber lendo o art. 92 da Constituição. Talvez pergunte, espantado, se "temos mesmo um Estatuto da Magistratura".

Temos sim. Veio com a Lei Complementar nº 35, de 1979, sob o governo do general Ernesto Geisel, sendo ministro da Justiça Armando Falcão, anos antes da restauração da democracia. Dita lei sofreu alterações extensas, ainda sob o governo ditatorial, e poucas outras no retorno democrático. Seu conjunto continua o mesmo da origem, regulamentado pelo Decreto nº 2.019/83.

Paradoxo histórico: o STF considerou não recebida a Lei de Imprensa, por ser produto da ditadura, mas não adotou a mesma linha quanto ao Estatuto da Magistratura. A única autoridade com iniciativa exclusiva para que tenhamos novo Estatuto da Magistratura vem definida na Carta Magna. Diz o art. 93: "Lei complementar de iniciativa do STF disporá sobre o Estatuto da Magistratura".

Ou seja: sem a iniciativa do STF, a lei ditatorial de 1979 não será excluída do universo jurídico brasileiro. Sem a apresentação de projeto ao Legislativo e sem firme cooperação entre os dois poderes, não haverá legítimo estatuto democrático para o magistrado.

Neste momento em que o Poder Judiciário, na linguagem popular, é "a bola da vez", abre-se uma oportunidade - até por termos ultrapassados os 30 anos do Estatuto ditatorial - para criar um texto novo. É a exigência da história, no aprimoramento essencial da nobre função de julgar.

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