sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Sentença Declaratória de Falência - REAL!!! (TJRS)

Comarca de Viamão
1ª Vara Cível


Processo nº: 039/1.07.0006780-0
Natureza:Falência
Autor:Qualitá Combustíveis Ltda
Réu:RP&M Engenharia de Projetos e Consultoria Ltda
Juíza Prolatora:Luciane Marcon Tomazelli
Data:25/06/2009



Vistos.
Trata-se de pedido de falência ajuizado por QUALITA COMBUSTÍVEIS LTDA em desfavor de RP&M ENGENHARIA DE PROJETOS E CONSULTORIA LTDA, partes qualificadas nos autos.
Aduz que é credora da ré da importância de R$ 16.081,35 (dezesseis mil e oitenta e um reais e trinta e cinco centavos), referente a dois cheques emitidos pela requerida em razão da aquisição de combustíveis da autora, o primeiro no valor de R$ 7.812,00 (sete mil oitocentos e doze reais) e o segundo, de R$ 7.968,73 (sete mil novecentos e sessenta e oito reais e setenta e três centavos). Diz que os referidos títulos se encontram vencidos, impagos e devidamente protestados, sendo que diversas vezes foi tentada solução amigável do problema, sem qualquer êxito. Sustenta que não teve outra escolha afora a propositura da presente demanda. Requer a procedência do pedido, com o depósito do valor devido ou a decretação da falência da ré. Junta documentos nas fls. 06-18.
Foi realizado cálculo, fl. 20.
A parte ré apresentou defesa nas fls. 45-62, alegando que apenas o saldo de um dos títulos apresentados pela autora se encontra pendente, no valor de R$ 4.420,41 (quatro mil quatrocentos e vinte reais e quarenta e um centavos). Afirma que na tentativa de saldar a dívida se deparou com juros ilegais, cobrados na ordem de 5% ao mês. Sustenta que foi impossibilitada de satisfazer o débito, pois eivado de encargos ilegais. Aduz que a dívida representa importância muito inferior a do primeiro cheque, sendo que o segundo título foi emitido em substituição do primeiro. Salienta que os cheques pré-datados representam promessa de pagamento, não servindo como título executivo para embasar o pedido de falência. Refere que a autora não acostou as notas fiscais correspondentes à compra e venda, não havendo prova inequívoca da entrega das mercadorias. Salienta que o instrumento de protesto apenas certifica que a intimação foi cumprida, sem identificar o nome da pessoa que recebeu a intimação, não atendendo à regra de citação pessoal do devedor. Assevera que o valor exigido é ilíquido, incerto e inexigível. Requer a improcedência do pedido. Junta documentos nas fls. 64-73.
Sobreveio manifestação da autora nas fls. 74-81, com documentos nas fls. 82-92.
Foi declarada a incompetência do Juízo da Comarca de Porto Alegre, fls. 191-193, vindo os autos a este juízo.
Houve novas manifestações das partes.
Realizou-se audiência, fl. 225.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Decido.
Inicialmente, consigno a desnecessidade da produção de prova pericial, porquanto a análise contábil dos elementos constantes dos autos em nada alteraria o deslinde da causa, basta ver que os documentos acostados pela autora nas fls. 82-92 comprovam os gastos da parte ré, em valor nominal, sem fazer qualquer menção a eventual taxa de juros.
Do mesmo modo, a oitiva de testemunhas não tem o condão de afastar a exigibilidade dos títulos acostados na inicial, porquanto inexistente um mínimo de prova de qualquer irregularidade relativa aos referidos cheques.
Desse modo, ausente qualquer questão prejudicial, passo ao mérito.
Saliento que deve ser aplicada a Lei 11.101/05 na decisão do caso em análise, ainda que a presente demanda tenha sido ajuizada sob a égide do Decreto-lei 7.661/45, tendo em vista o que dispõe o artigo 192, parágrafo 4º, da Lei 11.101/05.
Cotejada a prova documental carreada aos autos, constato que a ré emitiu cheques em favor da autora, os quais embasam o pedido, fls. 07-08, havendo comprovação da relação negocial havida entre as partes, basta ver os documentos das fls. 82-92.
Os cheques, títulos executivos que somavam mais de quarenta salários mínimos vigentes à época da propositura da demanda, restaram impagos, conforme demonstrado pelos respectivos instrumentos de protesto acostados nas fls. 09-10, o que dá ensejo ao pedido falimentar.
Não obstante, a defesa da requerida não merece prosperar, uma vez que os documentos das fls. 64-73 não comprovam a não utilização do produto comercializado pela autora; pelo contrário, tal documentação demonstra que a ré efetivamente consumia o produto.
Além do mais, a alegação da ré de que não foi comprovada a utilização da mercadoria não merece guarida, também porque os cheques que embasam o pedido são títulos de crédito e, como tais, não se vinculam à causa que lhes deu origem, sendo, assim, autônomos.
Nesse sentido:
AÇÃO DE COBRANÇA. CHEQUE. 1. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. Oportunizada a produção de prova testemunhal, quedando-se silente o recorrente. 2. O cheque é titulo de crédito que possui força executiva, formalmente perfeito, possuindo presunção de certeza, liquidez, exigibilidade, além das características inerentes da literalidade, autonomia e cartularidade, não sendo necessário que o seu portador faça a prova do negócio que lhe deu origem. 3. Inexistindo qualquer alegação plausível que afaste a obrigação emergente do cheque que embasa a lide, mantém-se a procedência da ação de cobrança. RECURSO DESPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71001939834, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado em 28/05/2009) (grifei)

Se houve eventual vício na causa debendi, este deveria ter sido comprovado pela requerida, a teor do artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil, o que não logrou realizar. Do mesmo modo, a ré não trouxe qualquer documento hábil a comprovar a tese defensiva de cobrança ilegal de juros, pelo que não merece acolhimento.
Sendo o título de crédito autônomo e não tendo a requerida demonstrado qualquer vício na emissão do título, não há falar em iliquidez, incerteza ou inexigibilidade da dívida.
Não obstante, a ré não negou estivesse inadimplente, apenas sustentou que não havia prova do recebimento das mercadorias e que os juros estariam sendo cobrados em patamar ilegal. Outrossim, oportunizado o depósito para afastamento da mora, a requerida não elidiu a falência no prazo legal.
Por fim, resta mencionar que, intimada para comparecimento em audiência, a requerida se fez ausente.
De rigor, pois, a decretação da falência, vez que plenamente caracterizada a situação do artigo 94, inciso I, da Lei 11.101/05.
Isso posto, decreto a falência de RP&M ENGENHARIA DE PROJETOS E CONSULTORIA LTDA.
Fixo como termo legal da falência o período de 60 (sessenta) dias antecedentes aos protestos, ambos ocorridos em 02/10/2003.
Intime-se pessoalmente a devedora para apresentar a relação de credores no prazo de de cinco dias, procedendo-se nos termos do artigo 99, inciso III, da Lei 11.101/05.
Os credores terão o prazo de quinze dias, a contar da publicação do edital relativo à presente decisão, para proceder à habilitação de seus créditos.
Suspendam-se eventuais execuções contra a falida, exceto aquelas que versarem sobre direitos trabalhistas ou demandarem quantias ilíquidas.
Fica vedada a prática de qualquer ato de disposição ou oneração de bens da falida, em consonância com o artigo 99, inciso VI, da Lei 11.101/05.
Expeça-se ofício à Junta Comercial para que proceda à anotação da falência no registro da requerida, nos termos do inciso VIII, do artigo 99, da referida Lei.
Fica nomeado Francisco Machado como administrador judicial, o qual deverá ser intimado para todos os fins.
Expeça-se ofício à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos para que encaminhe todas as correspondências direcionadas à falida ao administrador judicial.
Expeça-se ofício ao Banco Central a fim de que comunique às instituições financeiras a decretação da falência, bem como informe este Juízo quanto à existência de ativos ou passivos.
Expeça-se ofício ao INSS, comunicando a falência, e ao Registro de Imóveis e DETRAN para que informe a existência de bens e direitos da falida.
Entendo possível a continuação provisória das atividades da falida, querendo. Deixo de determinar o lacramento do estabelecimento, pois não vislumbro risco para a execução da etapa de arrecadação, conforme artigo 109 da Lei 11.101/05.
Intime-se o Ministério Público e comunique-se às Fazendas Públicas Federal, Estadual e Municipal, a fim de que tomem conhecimento da falência.
Proceda-se à publicação de editais, nos termos do artigo 99, parágrafo único, da Lei 11.101/05.
Registre-se.
Intimem-se.

Viamão, 25 de junho de 2009.


LUCIANE MARCON TOMAZELLI,
Juíza de Direito.

Um comentário:

  1. Excelente colocação. Nada melhor que um caso concreto para se ter uma melhor compreensão.
    Mateus gonçalves.

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