Ronaldo Rogério de Freitas Mourão
Astrônomo e escritor
Estamos habituados a discutir as mudanças que ocorrem nos sistemas naturais diariamente, ao acompanharmos as variações climáticas que se seguem às estações do ano, esquecendo as que ocorrem gradualmente em períodos mais longos, como as eras glaciais, as alterações que surgiram em conseqüência da lenta variação do movimento do eixo de rotação da Terra (em cerca de 26.000 anos) e da excentricidade da órbita da Terra, felizmente muito pequena, que ocorre a cada 40.000 anos.
A atividade ecológica é uma ação conjunta de diversos setores da ciência, desde o biólogo até o astrônomo passando pelos geofísicos e os meteorologistas. Não se faz ecologia com um pensamento imediatista procurando solucionar os problemas de degradação do meio ambiente no tempo presente. A ecologia volta-se, antes de tudo, para o futuro. E o futuro significa uma visão ampla de todos os problemas que envolvem a vida do Homem no universo, onde seguramente não somos os únicos. Na verdade, a ecologia é uma atividade pluridisciplinar de amplitude universal; daí a importância do conceito de ecologia cósmica que procuramos apresentar ao discutir diversos problemas que ameaçam o meio ambiente numa escala espacial.
Parafraseando Claude Lévi-Strauss, que definiu o antropólogo como o astrônomo das ciências humanas, o ecologista francês Jean-Paul Deleage, em sua Histoire de l’ecologie (1991), sugeriu que o ecologista é o astrônomo das ciências da vida e de suas relações com o meio-ambiente.
A idéia da ecologia esteve latente, durante o século XIX, na economia da natureza do naturalista sueco Carl von Linné (1707-1778); na biogeografia do naturalista alemão Alexandre Humboldt (1769-1859); no evolucionismo do explorador e biólogo inglês Charles Darwin (1809-1882), assim como na agro-química do químico e agrônomo francês Jean-Baptiste Boussingault (1842-1929).
Todos estes conceitos surgiram antes do termo ecologia ter sido criado, pelo biólogo alemão Ernst Haeckel (1834-1919), em 1866, com uma definição bastante avançada para a sua época, segundo o qual entendia-se por ecologia “a ciência das relações dos organismos com o mundo exterior”.
Apesar da antigüidade do nome, os procedimentos básicos da moderna ecologia são bem posteriores e, na realidade, devem muito a vários outros domínios científicos, tais como a botânica, a fisiologia, a agronomia, a meteorologia, assim como a termodinâmica e, mais recentemente, a tecnologia espacial e a informática.
Na verdade, uma ciência define-se de início pelo seu objeto e pelo método de estudo. O objeto da ecologia é constituído pelos ecossistemas, ou seja, pelo subconjunto do mundo natural que apresenta uma certa unidade funcional: um lago, uma praia, uma floresta, um estuário, e finalmente a Terra com sua biosfera. E por que não o universo? Não será a conceituação haeckeliena de ecologia - ciência das relações dos organismos com o mundo exterior - uma antecipação da idéia da ecologia cósmica?
Com relação ao método, nada melhor para evocá-lo do que a designação de macroscópio. Na verdade, este instrumento imaginário é uma criação dos ecologistas norte-americanos; tem sua origem etimológica em uma idéia de oposição ao microscópio, levando em consideração a escala observacional de natureza que constitui um privilégio dos ecologistas, ou seja a visão macroscópica da natureza que só se tornou uma realidade com o advento dos satélites artificiais, que permitiram uma visão global do Planeta até então impossível.
No início, recorreu-se aos satélites para fins militares. Três anos e meio após o primeiro Sputnik, mais exatamente em 21 de maio de 1961, os norte-americanos lançaram o primeiro satélite espião, Midas 2, que permitiu simultaneamente solucionar o problema da violação do espaço aéreo e da fragilidade dos aviões espiões utilizados anteriormente, como o célebre U2, abatido em cima da Rússia dezenove dias antes do lançamento do Midas 2.
O desenvolvimento dos processos de teledetecção espacial, estimulados por fins militares, deu ao homem um meio de estudar o seu meio-ambiente do modo mais global possível.
Além das questões relativas à diversidade das espécies presentes no ecossistema, aos ciclos de sua existência, à estabilidade de seus números, a ecologia ocupa-se desde o estudo do indivíduo no meio (auto-ecologia) até a biosfera (biogeoquímica). Foi esta globalidade de visão que me conduziu à idéia da ecologia cósmica, estimulado, sem dúvida, pelo processo de luta dos ecologistas, de combate permanente com hipóteses às vezes contrárias ao dogmatismo científico. Desse modo, a ecologia passou de uma etapa generalista, durante o século XIX, a uma etapa de diversificação no início do século atual, para, finalmente, depois dos anos 50, atingir uma concepção sistemática e unitária cujo objeto de estudo passou do ecossistema para a biosfera, que sofre influência do meio-interplanetário vizinho e até do meio intergaláctico, para não dizer intercósmico, quando nos ocupamos das modificações da atmosfera por efeitos de origem externa à biosfera, como a atividade solar e, muito além, da própria poluição das nuvens cósmicas que poderão nos atingir, produzindo um longo e intenso inverno na biosfera terrestre.
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