sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O advogado e o português

(26.08.10)Em www.espacovital.com.br

Por José de Campos Camargo Junior,
advogado (OAB/SP nº 152.665).

Caros leitores, este texto não é mais uma piada onde graciosamente o advogado engana alguém ou onde o português faz ou diz alguma burrice. Pena que o ignorante destas linhas é o advogado, em relação ao idioma português.

Muitos jovens advogados iniciaram o curso de Direito já na era da informática onde as mensagens de texto pelo celular, os correios eletrônicos, os “chats” e os precursores e similares do “MSN Messenger” eram e são rotina. A pressa em digitar é a culpada? Ou seria a má formação em língua portuguesa? E o que dizer dos erros dos advogados que estudaram nos melhores anos do ensino médio e fundamental?

Apesar de parecerem brincadeiras, os relatos a seguir são extraídos de peças processuais redigidas por operadores do Direito – e algumas delas são tristemente repetidas.

Vi petições cujo redator parece ter dificuldade em saber a acentuação do artigo “a”, por isso, na dúvida acentua todas (com acento grave, isso é grave!): “...requer á V. Exa.” e “verba á calcular”.

Pelo que aprendi na escola, com meus ótimos professores dos anos de 1981 a 1991, o uso do “a”, como letra ou palavra, não leva acento, a não ser em crase, como “à deriva”. Mas como saber o uso correto da crase? Fácil: não se usa crase diante de verbo nem de palavra masculina: “a saber”, “a ele”, “a olho nu” etc.

E diante de palavras femininas, para saber se deve ser usada a crase, é só trocar por uma palavra masculina e ver se é usado “ao”: “em frente à porta”, “em frente ao portão”. Por isso, não existe “entrega à domicílio”; a entrega é “a domicílio” ou “em domicílio”.

E como se dispensa a crase diante de uma palavra ou expressão feminina, como em “a Vossa Excelência”?

Fácil, basta trocar o “a” por “para” e ver se encaixa no contexto da frase. Exemplo: “dei um prazo a ela”, “dei um prazo para ela”. Neste caso, não se usa a crase.

Diferente seria se “ela” fosse trocada por “a cliente”, que ficaria: “dei um prazo à cliente”, pois aqui a expressão “para” ficaria no mínimo estranha se viesse desacompanhada do demonstrativo “a”: “dei um prazo para a cliente.” Portanto, o mais elegante seria: “dei um prazo à cliente”, até para distingui-la “do” cliente (masculino).

Também há aqui em Tatuí um colega que não sabia quando acentuar ou quando não acentuar as palavras “esta” (pronome demonstrativo) e “está” (terceira pessoa do singular no tempo presente do verbo “estar”). E ainda arriscou perguntar-me: “qual a diferença entre está sem acento e está com acento?”, pronunciando nas duas vezes o verbo (“está”).

Respondi: “esta caneta está sem tinta.” Não sei se ele entendeu.

E por falar em “há”, pobrezinho do verbo “haver”! Como é surrado! Inúmeras petições iniciais de usucapião relatam: “...residem no imóvel a mais de vinte anos...” Deus do céu, assassinaram o “h” só porque não tem som... Em compensação, quando não se usa o verbo haver, o “h” aparece: “...o veículo do réu parou há mais de cem metros de distância do local do acidente...”

Devido ao corretor automático do Word, muitas fazendas têm acentos (não são “assentos”) em suas áreas de terras, pois os hectares, de abreviatura “ha”, são transformados em “há”. Se um dos leitores me criticar, dizendo que “isso de hectare não tem nada haver com língua portuguesa”, responderei: “e o que você escreveu não tem nada a ver com a redação certa”, referindo que “a ver” significa “relacionado”.

E pedirei a releitura das lições de português do ensino fundamental para quem achar que este texto “não tem nada há ver” (essa chega a doer!).

Monossílabo tônico terminado em “u” tem acento? Pensaram naquele lugar onde mandam tomar? Seus maldosos! Resposta: depende. Se o analfabeto estiver sentado, o monossílabo tem “assento”, mas aqui refiro-me ao lugar para sentar-se. A piada é ruim, mas é útil para lembrar.

Se o advogado quer defender o direito do “nu proprietário”, não tem acento. A segunda pessoa do singular, “tu”, também não tem. Além destas duas palavras e do nome da antiga moeda corrente chinesa, o “pu”, não conheço outro monossílabo tônico terminado em “u” que não seja palavrão. O mesmo vale para o monossílabo terminado em “i”, como “pi” (valor matemático próximo a 3,1416).

A propósito, e os “encurtamentos” carinhosos de nomes próprios? Juliana, Luciana, Gustavo, Gisele e Ricardo são chamados pelos amigos de “Ju”, “Lu”, “Gu” “Gi”, e “Ri”, todos sem acento, por terminarem em “u” e “i”. Joelma e Renata, quando chamadas de “Jô” e “Rê”, têm acento circunflexo (a vogal é fechada, como em “dona” e “tema”). “Fá” tem acento agudo, tanto na nota musical como na contração de “Fabiana”. Jorge e Décio também têm acento agudo: “Jó” e “Dé” (a vogal é aberta, como em “ópera” e “técnica”). O apelido de Francisca tem til: “Frã” (o som do “a” é nasal). Custódio é Custódio mesmo, por razões óbvias.

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