quinta-feira, 28 de abril de 2011

Nós e os animais...

Seguidamente me chegam histórias de maus tratos e violência contra animais indefesos. É difícil entender como alguém pode, como me relataram dia desses, chutar, surrar e deixar sem comida, repetidas vezes, um cachorrinho pequeno e amarrado, que sequer pode se defender. São os buracos negros que existem na alma dos homens, as cavernas escuras que abrigam o que de mais monstruoso e torto existe dentro de nós. Mas, felizmente, há quem, nesse particular, traga a alma iluminada pelo sol da alteridade, sem buracos, sem cavernas. São os que compreendem que o outro, seja homem, seja bicho, é merecedor de todo o respeito e cuidado que se puder ter, pois é no outro, na experiência do outro, que realizamos a nós mesmos.
Há um cronista gaúcho, desconhecido da maioria do público, embora seja, pra mim, o melhor dos escritores gaúchos atualmente e um dos melhores brasileiros, chamado Liberato Viera da Cunha. Em seu livro " A Companhia da Solidão" ( Porto Alegre:LPM, 200. p.113/115), liberato, com seu estilo todo próprio, relata uma história que deve ser lida por todos os que amam e respeitam os animais, e que eu transcrevo na íntegra:

História de Rua - Liberato Viera da Cunha

" A outra noite os noticiários de TV me serviram cenas de um terrível desastre de trem na Alemanha, de uma espantosa coleção de tornados assolando cidades nos Estados Unidos, de uma Paris transformada em praça de guerra contra o braço armado do terror. Mexo com notícias a muito tempo e sei que a culpa não é delas: o mundo é que anda torto. Foi pelo menos o que pensei até que entrasse em campo o Jornal Nacional e a tela se transfigurasse, iluminada por 60 segundos de tocante humanidade.
A história parecia trivial. Sucede que num lugar do Nordeste, e nem importa onde, zelosos fiscais da prefeitura, decerto por já haverem dado conta de todas as grandes e pequenas misérias municipais, resolveram apreender um cavalo. É próprio dos cavalos procurarem pasto e suponho que aquele, encontrando uma cancela aberta, foi atraído por uns tentadores gramados vizinhos. E a esses honestos prazeres da mesa em boa paz estava entregue, quando recebeu voz de prisão dos funcionários. falei em prisão, mas ouso imaginar que seu destino fosse mais trágico; talvez o lúgubre matadouro municipal. O que não esperavam os fiscais era o súbito aparecimento do proprietário do animal. Uso aqui essas palavras com certa hesitação e dúvida. Ninguém pode ser titular dono das criaturas de Deus. Já o substantivo animal, salvo engano, descreve bem vocês sabem quem. Mas torno ao caso, pois o que ocorreu em seguida foi uma eclosão de terror e mágoa. Com incontido desespero, o homem abraçou-se ao cavalo, não como seu dono ou seu amo, mas como seu defensor, seu amigo, seu irmão.Por dever de ofício, vejo tv há décadas. Pois garanto que raras vezes vi algo tão comovedor.. Chorando, o homem, que era negro e jovem, apegava-se com todas as suas forças ao cavalo, implorava que não o levassem, jurava que não era culpado da escapada, que o trazia sempre pela corda, como mandavam as posturas legais. Era um pranto sentido e fundo, uma angústia da alma de fazer dó a uma pedra, mas não abalava os fiscais. Aqueles fiscais eram feitos de incisos e parágrafos;desconfio que em suas veias não corresse sangue, mas tinta de carimbo. Burocraticamente alheios,mandaram chamar a Polícia, que chegou marcial e aguerrida. Mas a essa altura o homem estava disposto a enfrentar os federais, o exército, a ONU. Houve um rei decidido a entregar seu reino por um cavalo. Já o homem se exporia à desonra, à tortura, à morte, mas não largaria o seu. Apertava-se a ele como quem estreita alguém muito amado, e sua lágrimas lhe caíam agora no peito como emblemas, e sua voz se fazia cada vez mais débil, mas não frágil. E investiram os soldados, e ele os repeliu com essa coragem que é irmã do desespero, e nehum deles conseguiu apartar cavalo e homem, que eram como uma escultura indivisa, cimentada de dor. Juntara gente. Aconteceu então que as pessoas começaram a gritar para os fiscais que deixassem ir em paz cavalo e homem. E elevou-se tanto seu brado que, confusos, os senhores da lei se afastaram, e o homem montou no cavalo, e num tropel mais célere que o vento, sumiram ambos no rumo do infinito."

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