segunda-feira, 23 de maio de 2011

"O Judiciário gaúcho está doente!"

Em duas matérias publicadas esta semana sobre o colapso da Justiça gaúcha, o Jornal da Ordem - editado pela OAB-RS - retrata a situação alarmante das varas da capital e do interior do Estado. A alta demanda processual tem feito os servidores do Judiciário adoecerem ou pedirem remoção para outras comarcas, na expectativa de encontrar melhores condições de trabalho.

Diante dos 3,8 milhões de processos em tramitação - número que vem causando preocupação entre os advogados e a sociedade - a Ordem gaúcha começa a bater numa tecla: o abarrotamento dos cartórios e a necessidade de soluções, não de promessas.

A questão dos precatórios - notoriamente viúvas que estão morrendo sem receberem seus créditos - é desesperadora.

Há tempos, a Ordem vem alertando sobre a necessidade urgente de investimentos no Poder Judiciário. Conforme dados fornecidos pela Corregedoria-Geral da Justiça do RS, até fevereiro deste ano, o Estado contava com cerca de 3,8 milhões de processos em tramitação nas duas instâncias de 1º e 2º Graus.

Para o presidente da Ordem gaúcha, Claudio Lamachia, esses números revelam o abarrotamento dos cartórios. “A morosidade do sistema judicial no RS tem sido motivo de inúmeras reclamações de advogados, pois estes são devidamente cobrados por seus clientes, que querem respostas e, principalmente, soluções”, declara.

Preocupado com o exercício da Advocacia e a defesa dos direitos dos cidadãos, Lamachia considera que a máquina do Judiciário está emperrada e reitera a importância de medidas urgentes. “A sociedade está cansada de esperar pelos seus direitos, e é necessário revisar a Lei de Responsabilidade Fiscal, pois, com os atuais limites impostos, o Poder Judiciário não pode investir em servidores, tecnologia e infraestrutura ─ principais ferramentas para solucionar o caos do nosso sistema judicial”, argumenta.

Em Porto Alegre houve, este ano, o aumento de 72.451 processos, totalizando 1.045.820 ações. As Varas de Fazenda Pública continuam liderando o alto índice de processos.

FORO CENTRAL

20ª Vara da Fazenda Pública – 78.916 processos;
3ª Vara da Fazenda Pública – 53.981 processos;
8ª Vara da Fazenda Pública – 57.505 processos;
2ª Vara da Fazenda Pública – 50.094 processos;
1ª Vara da Fazenda Pública – 48.550 processos;
7ª Vara da Fazenda Pública – 40.900 processos;
4ª Vara da Fazenda Pública – 30.957 processos;
5ª Vara Cível – 20.309 processos;
6ª Vara da Fazenda Pública – 18.669 processos.

FOROS REGIONAIS

Vara Cível da Tristeza – 12.132 processos;
Vara Cível do Alto Petrópolis –9.853 processos;
1ª Vara Cível da Restinga – 7.695 processos;
Vara de Família e Sucessões do Partenon – 4.075 processos;
1ª Vara Cível do Sarandi - 4.258 processos (foi criada a 2ª Vara Cível que já tem 6.620 processos).

Esse quadro pode surpreender quem fica em gabinetes distantes - mas não é surpresa para advogados que vão aos foros e para quem acompanha regularmente o Espaço Vital.

Os servidores relatam o caos: quantidade de processos em crescimento, servidores afastados por estresse e outros problemas de saúde, aposentadorias e remoções sem novas nomeações, falta de estrutura física, entre outros.

Enquanto isso, a sociedade, que busca seus direitos por meio dos advogados, aguarda ansiosa por julgamentos, decisões e pagamentos.

"É fundamental que a Justiça esteja bem aparelhada para atender à crescente demanda processual.
Isso passa pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e ampliação do orçamento do Judiciário, que é um Poder eminentemente prestador de serviços à população", afirma o presidente da OAB-RS, Claudio Lamachia.

Segundo o Jornal da Ordem, somente na primeira instância o número de cargos vagos é de 1.408; em segunda instância o número chega a 320.

Rio Grande - Com 11 mil processos em tramitação na 3ª Vara Cível de Rio Grande, o escrivão Alexandre Fossati afirma que o baixo número de servidores é uma das razões que contribui para a morosidade processual. "Há um escrivão e cinco oficiais escreventes, sendo que um está em licença-saúde. Outro ponto que acarreta tal situação é a falta de modernização dos equipamentos de trabalho, como computadores, softwares, etc".

Passo Fundo - "O Judiciário está doente!". Com estas palavras a escrivã da 1ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública de Passo Fundo, Diva Maria Ghidini, resume a situação da Justiça gaúcha. Ela e mais um colega pediram remoção por não estarem em condições psicológicas para suprir a demanda na comarca.

"O nosso quadro é caótico. Estamos adoecendo e não há capacidade física para atender o grande número de ações. Temos 21.200 processos para um escrivão, um ajudante e cinco escreventes. A situação é alarmante!", desabafou.

Santa Maria - Trabalhando há mais de 23 anos no Judiciário, a escrivã da direção do Foro de Santa Maria, Girselaine Hasselmann, faz um diagnóstico preocupante. "Cerca de 50% dos oficiais de justiça estão aptos a se aposentar, e há mais de 40 anos o número de cargos é o mesmo, ou seja, 28 servidores. O pior de tudo é que não há, pelo menos em breve, a possibilidade do aumento do quadro" - afirma.

Viamão - A 2ª Vara Cível de Viamão recebeu, de janeiro a abril deste ano, 911 processos, somando precatórios e incidentes. Com quatro servidores e um estagiário, eles estão se revezando para atender o balcão, como explica a escrivã designada Elisângela Martins.

Ela conta: "pelo grande número de processos, está complicado desempenhar o trabalho com mais eficiência, pois estamos em regime de rodízio para o atendimento no balcão, o que atrasa as outras tarefas. Estamos com um número menor de servidores do que realmente precisamos. Por exemplo, a escrivã está de licença-maternidade e precisamos de, no mínimo, mais um oficial escrevente e um auxiliar de serviços gerais". revela.

Santo Ângelo - A situação é semelhante na 1ª Vara Cível. Com seis servidores e dois estagiários, a unidade precisaria dobrar o número de pessoas para prestar um serviço adequado, segundo a oficial ajudante Mara Mânica Posser. Ela também relata que, "além do problema da falta de servidores, os que estão trabalhando estão adoecendo pelo acúmulo de serviço, pela cobrança, que é muito grande, e por não conseguirem responder de forma efetiva como gostariam".

Mara desabafa: "Ainda temos sérias dificuldades com materiais de trabalho, pois nossa impressora está estragada e sem previsão de conserto. Os computadores, pelo tempo de uso, já estão muito ruins, prejudicando ainda mais o desenvolvimento do serviço".

Caxias do Sul - A situação da 2ª Vara Cível Especializada em Fazendo Pública de Caxias do Sul é alarmante pela dificuldade de pessoal para suprir a demanda, de 39.051 processos. Conforme a escrivã designada, Neuza Telles de Oliveira, o cartório conta com quatro servidores e sete estagiários.

"Trabalhamos no limite. Apenas boa vontade não basta, o ideal seria dobrar o número de funcionários" - afirma. A unidade judicial conta ainda com o Anexo Fiscal, instalado em julho de 2009. O espaço foi criado em caráter provisório, mas permanece funcionando em espaço precário. "O local só funciona porque cedemos dois escreventes e há 12 estagiários contratados pela Prefeitura e pela PGE", diz.

Novo Hamburgo - Desde que o escrivão da 3ª Vara Cível de Novo Hamburgo foi cedido para a Corregedoria, há dez meses, a ajudante Marla Cristina Beck Wanderer foi designada escrivã. Segundo ela, o que pode ser considerado pouco tempo desempenhando a função, já é suficiente para trazer-lhe até problemas de saúde. "Alguns dias atrás fui parar no hospital com pressão alta e sem condições de trabalho. Hoje estou com muita dor de cabeça e ainda com problemas de pressão, mas se eu não vier será muito pior", relata Marla.

A 3ª Vara Cível de Novo Hamburgo tem 13.795 processos. Para dar conta da demanda, trabalhavam nove servidores. O escrivão foi cedido, três servidores foram removidos e uma pedirá exoneração em junho. Restarão quatro pessoas para tamanha carga de trabalho.

"Não temos estrutura para gerenciar todo este serviço, as pessoas têm que entender que não é porque não queremos desenvolvê-lo", analisa. Marla ainda afirma que o número ideal de servidores para que o trabalho possa ser desempenhado de forma efetiva seria o que havia anteriormente - nove pessoas.

"Temos uma carga desumana para vencer diariamente e estamos muito defasados. Além disso, no período de férias a situação piora, pois ficam resíduos dos processos. Estamos, por exemplo, com 700 processos aguardando para fazer a citação", explica.

Uruguaiana - Com 14 mil processos em tramitação e cinco servidores atuando, a 1ª Vara Cível dali necessitaria de, no mínimo, mais dois servidores para que o trabalho fosse desenvolvido de forma eficaz. "Trabalhamos muito, mas não conseguimos desempenhar um serviço de qualidade, pois não temos pessoal e estrutura suficiente para a quantidade de tarefas que temos", define a escrivã Eliane Coelho Flores. Ela informa ainda sobre os frequentes problemas dos equipamentos: "Por vezes, ficamos nos revezando nos computadores existentes", registra.

Tramandaí - Na comarca ocorreram, em abril deste ano, duas paralisações de uma hora, realizadas pelos servidores, reivindicando melhorias nos salários e na estrutura de trabalho. A escrivã da 1ª Vara Cível, Roseli Neuci Salvador, relata que "há uma sobrecarga desumana, pois saímos do trabalho e não sobra energia para mais nada da nossa vida pessoal. Precisamos respirar".

Pela defasagem de pessoal da 1ª Vara Cível de Tramandaí (atualmente são cinco no cartório), até as férias dos servidores são reduzidas. "Como temos poucos funcionários, descansamos apenas por 15 dias, senão fica muito difícil conseguir colocar o trabalho em dia. Também realizamos diversos mutirões para ajudar os colegas que estão com o serviço mais atrasado. A população tem a ideia de que os servidores do Judiciário ganham muito e não fazem nada, mas a realidade é muito diferente; afinal, desempenhamos um trabalho que é humanamente impossível pela proporção de processos que temos", finaliza.

fonte: www.espacovital.com.br - 19.05.2011

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